A Arte antiga saiu a rua em Portugal

A água não apaga o fogo do "Inferno" que mora agora numa parede da Rua da Rosa. © Hugo Amaral/Observador

A água não apaga o fogo do “Inferno” que mora agora numa parede da Rua da Rosa. Fotos: © Hugo Amaral/Observador
Pela primeira vez em Portugal, um museu pega nos seus quadros e mostra-os cá fora. As pessoas param, olham para a obra e depois voltam-se à procura de um segurança. Mas não há ninguém. Será possível?
São 31 quadros de um dos mais importantes museus portugueses e estão pendurados nas ruas da Baixa de Lisboa, com a respectiva placa informativa. Mas, ao contrário do que acontece dentro do Museu Nacional de Arte Antiga, aqui não há ninguém a vigiar possíveis roubos ou vandalismos. Calma, obras-primas como o “Retrato do rei D. Sebastião”, de Cristóvão de Morais, ou “Obras de Misericórdia”, de Peter Brueghel, não estão em perigo. Mas estas reproduções enganam bem.


Conversação, de Pieter Hooch, na Rua do Loreto.
Conversação, de Pieter Hooch, na Rua do Loreto.
Durante meio ano, o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) trabalhou em segredo para que um dia Lisboa acordasse com a surpresa de ser um museu a céu aberto, com a exposição “Coming Out — e se o museu saísse à rua?“. Os quadros começaram a ser colocados na segunda-feira de madrugada. Nas manhãs de terça e quarta-feira, era ver locais e turistas espantados em frente às obras, com ar incrédulo. A dúvida sobre se seriam originais ou réplicas instalou-se. E era mesmo essa a intenção, diz ao Observador António Filipe Pimentel, presidente do MNAA e principal estrategista desta missão secreta.
"Homem do Cachimbo", de Gustave Coubet, na Rua da Barroca.
“Homem do Cachimbo”, de Gustave Coubet, na Rua da Barroca.
É a primeira vez que isto é feito em Portugal“, diz por telefone ao Observador, após uma reunião no Museu do Prado, em Madrid. Uma colega do serviço educativo do museu tinha ido à National Gallery, em Londres, e comprou o catálogo do projeto “Grand Tour”, que desde 2007 leva réplicas de pinturas aos bairros de Convent Garden, Soho e Chinatown. Foi ter com António Filipe Pimentel e disse-lhe que era giro fazer algo do gênero na capital portuguesa. “Eu vi o catálogo e disse: ‘Isto não é giro, isto tem de se fazer!’”.
Painel central do "Tríptico de Nossa Senhora da Misericórdia", de Jan Provoost, na Rua António Maria Cardoso.
Painel central do “Tríptico de Nossa Senhora da Misericórdia”, de Jan Provoost, na Rua António Maria Cardoso.
O presidente do museu deslocou-se à National Gallery para saber se podia adaptar a ideia a Lisboa. Era preciso a ajuda da Câmara Municipal e a autorização dos proprietários dos edifícios. Depois, era necessário imprimir as imagens à escala real e em alta resolução, o que em Londres tinha sido feito com o apoio da HP. Em Lisboa, também foi assim. “Era preciso garantir a qualidade da reprodução, para gerar a ilusão de ótica e a ambiguidade sobre se não seriam mesmo as obras originais“, recorda. As 31 obras foram depois “emolduradas com a mesma dignidade que as originais, com tabela e texto explicativo”.
"Virgem das Dores", de Quentin Metsys, e "Virgem com o Menino e Santos", de Hans Holbein, o Velho, no Largo de São Carlos.
“Virgem das Dores”, de Quentin Metsys, e “Virgem com o Menino e Santos”, de Hans Holbein, o Velho, no Largo de São Carlos.
À distância, o presidente do museu não consegue assistir às reações das pessoas. Mas o feedback não tem parado de chegar. “Tornámos Lisboa uma cidade mais bonita, mais atraente”, diz, orgulhoso. O nome “Coming Out” tem uma nota de humor associada, “como quando as meninas eram apresentadas à sociedade”. “E foi isso que o museu fez”, explica. Para além de divulgar a riqueza do acervo, a colocação dos quadros na rua tem por objetivo “a estimulação dos públicos à visita dos originais”.
"São Jerónimo", de Albrecht Dürer, na Rua Garret.
“São Jerónimo”, de Albrecht Dürer, na Rua Garret.
Em Londres, o sucesso foi tanto que a exposição foi prolongada, ainda que alguns quadros tenham sido grafitados, cortados e até roubados. Nada que preocupe António Filipe Pimentel. Até porque roubar obras daquela dimensão não é fácil.
Medo tenho, mas acho que vamos ter uma boa surpresa. Sou um otimista por natureza. É como a democracia, são as pessoas que protegem as instituições, não são os alarmes.”
"Cortesã", de Jacob Adriaenz Backer, na Rua das Salgadeiras.
“Cortesã”, de Jacob Adriaenz Backer, na Rua das Salgadeiras.
Desde o Pátio do Tijolo, no Príncipe Real, até à Rua do Alecrim, passando pela Rua do Loreto e a Rua Garrett, há quadros de Hans Memling (“Virgem e o Menino”, de 1485), de Jan Provoost (“Tríptico de Nossa Senhora da Misericórdia”, 1512-1515), de Piero della Francesca (“Santo Agostinho”, de 1465) e de Lucas Cranach, o Velho (“Salomé com a Cabeça de São João Baptista”, 1510-1515).
"Natureza morta com Cesto de Frutos", de Antonio Pereda Y Salgado, na Rua da Atalaia.
“Natureza morta com Cesto de Frutos”, de Antonio Pereda Y Salgado, na Rua da Atalaia.
As réplicas ficam na rua até ao dia 1 de janeiro de 2016. Se as 31 obras chegarem até lá intactas, “vão ter um bom destino que vai agradar a toda a gente”, diz o presidente do museu, sem querer desvendar mais este mistério. Mas deixa escapar que “já houve gente ilustre que quis comprar algumas”.

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